SE
TOQUE!
Masturbação
Conhecimento na palma da mão
Beatriz Venancio e Filipe José
Piracicaba, 2019
Domingo, três da tarde, sentado na beira do rio Piracicaba, próximo à ponte que dá acesso ao Engenho Central, Alexandre*, autoridade em Piracicaba, começa a alisar o próprio pênis ereto. Os moradores ali presentes assistem atentamente à espera do clímax. Movimentos lentos vão ganhando intensidade, as mãos sobem e descem e o orgasmo é atingido. Sêmen derramado no rio e um único objetivo: celebrar a vida que ali existe.
Caminhando pela região turistas se deslumbram com fotografias, esculturas e pinturas nas quais homens e mulheres encontram-se nus, com as mãos em seus órgãos genitais e masturbam-se. Não é preciso andar muito, estas estão espalhadas pelo Engenho Central, pela Rua do Porto, pelo Largo dos Pescadores e bairros centrais. A sexualidade é celebrada pela cidade.
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A história não é real e, talvez, até seja exagerada, mas, poderia não ser. Pensar na masturbação enquanto uma atividade natural, sem motivo qualquer para tabus, pode soar estranho nos dias atuais, no entanto, a prática se apresenta como um comportamento antigo e pertencente a mitos fundadores de vários povos.
Conforme mitologias surgidas no antigo Egito, civilização nascida três mil anos antes de Cristo, Atum, deus Sol, o primeiro a existir, teria se masturbado e ejaculado no rio Nilo, dando origem através de seu sêmen a outros deuses que o ajudariam a criar e governar o universo. Entendendo o rio Nilo como parte da ejaculação de Atum, todos os anos os egípcios realizavam uma cerimônia de comemoração ao ato do deus; nesses eventos, o faraó ia à margem do Nilo e se masturbava deixando que seu sêmen caísse no rio.
As definições sobre a moralidade da masturbação variam há muito tempo entre o errado e o certo, entre o pecaminoso e benéfico. Segundo o pensamento Judaico-Cristão antigo, o único motivo para as relações sexuais era a procriação, e qualquer atitude com propósitos diferentes seria imoral. Nessa época, os fundadores da Igreja Católica acreditavam, inclusive, que a abstinência sexual era a melhor forma para alcançar a clareza da alma. No mesmo período, outro argumento utilizado pelos cristãos para condenar a masturbação era que, a partir dela, homens criavam fantasias de práticas sexuais ilícitas, como o adultério.
Para a sexóloga Jussania Oliveira, 52, formada pela Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana e Faculdade de Medicina do ABC, além da Igreja Católica, há diversos outros fatores que fazem da masturbação algo imoral, especialmente quando a masturbação é direcionada às mulheres. Fabrizio Messetti, 40, urologista pós-graduado na Universidade do Texas, concorda e acredita que há muitas dificuldades para desfazer os tabus impostos culturalmente.
A masturbação, ação de estimular os órgãos genitais manualmente ou com objetos para alcançar prazer sexual, é uma prática como tantas outras e favorece o autoconhecimento. Segundo Jussania, é a partir dela que se reconhece as próprias zonas erógenas, aprende-se a desenvolver os níveis individuais de excitação e consequentemente adquire-se maior facilidade nas relações sexuais com parceria.
Não é por acaso que a falta da masturbação no dia a dia dos indivíduos seja um dos motivos que levam casais a terem problemas durante as relações sexuais. “Você pode ter uma parceira que te toca de uma forma não aprazível, que não te satisfaz, que não te excita. O outro não sabe como tocar, não sabe como estimular e a pessoa não consegue se excitar, não demonstra que está desagradada e incomodada, tornando o sexo frustrante. Nessa relação possivelmente não haja orgasmo e prazer; e a masturbação é uma forma de você identificar, reconhecer e conseguir ensinar a sua parceria a maneira que gosta de ser tocada”, explica a sexóloga.
Cinco entrevistados comentam a importância da masturbação.
Clécia Sodré, 21
Estudante
Raul Neme, 22
Estudante
Sara Lima, 23
Estudante
Giselle S., 47
Fotógrafa
Mariza Seghese, 74
Dona de casa
Além do prazer sexual, a masturbação pode proporcionar outros benefícios físicos e mentais para os praticantes. Jussania explica que assim como qualquer outra relação sexual que leve ao orgasmo, a atividade proporciona um relaxamento muscular intenso que aumenta a qualidade do sono, melhora o humor e a condição física, devido à liberação de substâncias como endorfina e serotonina.
Os benefícios não terminam por aí. Jussania destaca que “ter a liberdade, a autonomia para se tocar, para ter o seu próprio prazer, para identificar de que maneira você se excita, de que maneira você tem prazer, é fundamental para sua independência, para o seu bem-estar e para sua autoestima”.
Reação do corpo durante a prática
CÉREBRO
A atividade dos neurônios aumentam; produz substâncias calmantes
PULMÕES
A respiração se torna rápida, para oxigenar o sangue que circula mais depressa
coração
Acelera para bombear mais sangue aos músculos
músculos
Dilatam-se com a chegada de doses extras de sangue; ficam relaxados ao receber substâncias calmantes
pele
A face e outras áreas ficam ruborizadas, porque o hormônio adrenalina dilata os vasos superficiais do corpo
Para coibir a masturbação, muitos mitos foram inventados sobre a masturbação, como crescer pelo na mão, afinar o pênis e ficar maluco. Fabrizio explica que não há nenhuma contraindicação e nenhum efeito a longo prazo causado pela atividade.
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Desde que a masturbação não seja praticada em público ou em excesso, prejudicando as demais atividades do dia a dia, o paciente pode e deve se masturbar quantas vezes quiser, usando a técnica que desejar. Se estiver afim, faça.
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Fabrizio Messeti, cirurgião urológico no Hospital Israelita Albert Einstein
Hora de parar
Mesmo sem contraindicações ou malefícios à saúde, a masturbação não deve ser praticada como “válvula de escape”. “Como tudo nessa vida, é uma questão de dose. Se você faz demais, deixa de se encontrar com os amigos para se masturbar, tem problema no seu horário de trabalho porque costuma sair para se masturbar, prefere a masturbação à relação sexual com parceira ou tem uma frequência de atividade masturbatória que te impeça de ter uma vida normal, social, cultural, familiar e pessoal, aí temos um problema”, explica a sexóloga Jussania. “A prática da masturbação em si não tem nenhum problema, mas depende do uso que se faz; se te prejudica em outras áreas, se te impede de socializar, de ter amigos ou de sair, aí ela pode ser um problema. Existem as compulsões também, quando a gente fala de uma compulsão sexual na questão masturbatória, estamos falando de uma patologia e para isso precisa de tratamento”, completa.
Acerca da frequência, Fabrizio enfatiza que não há uma quantidade diária, semanal ou mensal recomendada ou que torne a masturbação um vício imediato. Para ele, o único momento que enquanto médico, às vezes, precisa indicar a diminuição da atividade é “quando o paciente está com alguma doença infecciosa no trato genital, como uma prostatite ou vesiculite, que pode causar dor”.
Papo aberto
A sexualidade é um assunto ainda pouco falado entre pais e filhos. Com vergonha de abordar a temática, estes costumam esperar que a escola se responsabilize por educar sexualmente as crianças. Professores de biologia e ciências, de fato, muitas vezes ensinam acerca dos órgãos reprodutores e prevenção a infecções sexualmente transmissíveis e gravidez, mas, segundo Jussania, os pais não podem deixar essa responsabilidade às instituições, pois são o principal veículo de comunicação das crianças e adolescentes.
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Os pais perguntam qual a idade para falar sobre sexualidade com os seus filhos, não tem idade certa, é na mesma proporção que você ensina eles a comerem e a usar o banheiro. É gradual, ao longo do desenvolvimento da criança você tem que ir inserindo a temática com a linguagem adequada de cada fase.
Jussania Oliveira, psicóloga clínica e sexóloga
Adiar a temática ou deixar na responsabilidade de outras pessoas, é, segundo Jussania, uma maneira de deixar o jovem sem o devido preparo, responsabilidade e conhecimento. “Nós temos gravidez na adolescência, gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis que estão em níveis alarmantes. Temos um número muito maior de casos de sífilis do que há 10 anos, então existe uma série de complicações que poderiam ser minimizadas se a educação sexual começasse em casa”, declara.